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  • Foto do escritorSusana Cruz

Os ideais do Românico - reflexão


Para uns, o homem da idade média representa uma paragem na evolução humana, para outros representa uma regressão. Por isso também é conhecida como Idade das Trevas em oposição à idade das luzes representada pela iluminação dos pensadores renascentistas.

Foi tema para histórias que destacaram a bravura dos cavaleiros, alusão a seres míticos e alados, castelos sombrios e histórias fantasiadas. Hoje em dia os historiadores tentam reverter esta teoria e trazê-la à luz dos fatos.

O Homem Medieval aceita a sua inferioridades na Terra perante Deus.

Dizem que não foi uma regressão à "escuridão" mas antes uma mediação entre o antigo e o moderno numa desmaterialização da sociedade e uma busca espiritual sensorial. De fato o homem clássico antigo viu-se "entre a espada e a parede" quando se deparou com a queda do Império Clássico do mediterrâneo - Império Romano - e a barbarização conquistadora do norte europeu - Invasão Bárbara - e a difusão do Cristianismo. É devido a este malabarismo socio-político e económico que nasce o Homem Medieval. Para os mais distraídos, lembrem-se que nunca há uma ruptura absoluta do passado, mesmo que haja uma acção que vai contrariar os ideais anteriores, é sempre originada por uma reacção ao que existiu, por confronto ao que vem a seguir. Durante a Idade Média continuaram a existir intelectuais e construtores embora em muito menor quantidade.

Podemos também entender a época como uma busca pela identidade regional, individualismo social e regresso às origens do ser humano como ser natural e da terra, combatendo os ideais imperialistas em que Roma era o centro do mundo - época em que um só homem tecia todo o controlo e organização da sociedade de terras que lhe distanciavam meses de viagem e nada delas conhecia ou das suas gentes.

Há uma passagem de poderio e capacidades sociais do Político-Romano para o Religioso-Cristão passando assim a responsabilidade evolutiva da Humanidade à sobrevivência na mão das comunidades religiosas.

É nesta medida que Deus se torna o supremo arquiteto do mundo, o pai do Homem, o professor dos intelectuais e a inspiração dos artistas.

Ao contrário da era que virá a seguir (o gótico buscará a verticalidade pela necessidade do homem de se juntar a Deus na vida eterna) o homem da época Românica aceita a sua inferioridade na Terra perante Deus o quem vem a ser representado nos tímpanos das igrejas com Deus Magestis e Cristo Pantocrator, lembrando qual é a suprema autoridade do espaço que estamos prestes a entrar.

Com o desenvolvimento da cultura do espiritualismo, o ser humano perde foco no valor material, o que acaba por se refletir no desprezo dos cuidados do físico, higiene e bem-estar da habitação e dele próprio.

Por certo que o Homem sempre buscou seguir líderes carismáticos, bem falantes e sábios, o que acreditavam ser o ideal do homem no seu tempo, é então que os intelectuais racionais do período clássico dão origem a um novo tipo de intelectuais, os religiosos, monges. De fato os líderes religiosos, ou que se afirmavam no caminho de Deus, cresciam em popularização fazendo com que os outros caíssem no esquecimento, ou pior, que fossem perseguidos e acusados de heresia. Assim sendo os nomes que prevaleceram no tempo vindos da Idade Média eram especialmente Oradores, monges e Santos, senhores de palavras de Deus. Ex. Santo Agostinho, Santo António, e mais regionalmente, S. Frutuoso.

Ao ensino que se praticava, era, mais uma vez, em torno de Deus e do livro sagrado. Acreditavam que na Bíblia se aprenderia o suficiente para ter seu lugar no céu e na terra.

Com tudo isto não é surpresa que as igrejas e mosteiros sejam o foco da construção desta época, algumas construídas são tidas como autênticas fortalezas capazes de proteger o crente dos pecados, maldades e violências externas. Exemplo disso são as catedrais em Portugal que em vez de janelas abrem friestas, com paredes grossas e bastante resistentes tal como os castelos de Deus devem ser. Não havia cidade, vila ou aldeia que não se desenvolvesse nas proximidades de uma igreja, capela ou mosteiro.

A simplicidade bastava, ser cristão era uma obrigação da sociedade. As preocupações decorativas seguiam um caminho bastante prático, cada elemento tinha um significado, uma razão de existir. Serviam para proteção e catequese. Muitas dessas imagens explicavam a magnificência do Criador e mensagens bíblicas importantes para a vida em sociedade. Os cães, leões e serpentes visavam proteger quem entrasse na igreja, só transpunha a porta quem lá entrasse por bem. Muitas vezes associavam simbologias de purificação, como os tímpanos do portal principal que suportava e purificava os nossos pecados e o Agnus dei, por vezes acompanhado por pão e vinho ou cereal e uva lembrando que o corpo e sangue de Cristo livra-nos dos nossos pecados. Mas não só, em algumas comunidades a pobreza era tanta que poderiam ter que viver de pão e vinho (ambos feitos em casa), onde nada mais havia para comer.

Não era rara a plantação de oliveiras nas proximidades de espaços de culto, era essencial a produção de azeite que iluminava o interior dos edifícios que por tão poucas aberturas se haviam tornado escuros.

Às portas, nas laterais, junto aos lintéis ou mesmo ao nível dos nossos pés, apresentavam-se marcas, símbolos, que de nada tinham de mágico ou de proteção, eram antes as assinaturas dos pedreiros que aí trabalhavam.


As esmolas eram obrigatórias, não fazendo parte de um tributo definido pela igreja, mas um pagamento voluntário feito em vida que garantia lugar cativo ao lado do Senhor Deus e seu filho. E aos mais endinheirados e religiosos diretos do mosteiro, era-lhes reservado um espaço dentro da igreja com a segurança que Deus o abraçaria no seu leito dos Céus - quanto mais próximo do altar, mais próximo de Deus.

Acrescido a tudo, tinham as relíquias - ou em algumas delas, as alegadas relíquias - partes do corpo ou objetos de uso do Santo representado e adorado. O homem medieval tinha que ver, tocar e orar ao santo as suas preces, e por vezes deixava um bilhete ou uma moeda de agradecimento simbolizando o seu pedido - ainda hoje se pode ver aos pés de muitas figuras de adoração papéis, moedas e figuras de cera de promessa e pedidos de milagres.


O uso da Cruz Latina na planta das igrejas difundiu-se com bastante sucesso, representava o corpo de Cristo e a Cruz dos seus pecados.

As cabeceiras eram geralmente orientadas para leste - ou nascente - mostrando que Deus faz nascer o sol todos os dias.

A entrada principal seguía pela ala central, frente ao altar que convidava a percorrer o caminho do recolhimento e submissão. Ajudava as características estruturais e simplistas do edifício, em que as naves se dividiam sempre em número ímpar, geralmente 1, 3 ou, mais raramente, em 5.


Relembrando um recente episódio de incêndio da Igreja de Notre Damme de Paris, durante a época Românica era bastante comum haver incêndios nas igrejas, os telhados eram de madeira, assim como os altares, o pavimento, o mobiliário, etc... Pelo custo tão dispendiosos o investimento em pedra dos tetos, mármore nos altares e azulejo nas paredes vêm muito mais tarde e em alguns dos casos nem se avança com os projetos.

Ainda que tudo numa igreja apelasse ao recolhimento, ao silêncio e oração, era certo que era muitas vezes usado para acolher sem abrigos, encontros e outras atividades que obrigaram as igrejas a criar galilés, espaços cobertos no exterior do edifício - grande parte das vezes antecedendo a entrada principal - para abrigar as gentes em situações menos dignas.


As redes viárias continuavam a ser romanas, mas também mantiveram e aumentaram o número de perigos ao longo do percurso. Além do clima que podia variar drasticamente de cidade para cidade, havia assaltos com maior regularidade, chegando às famílias reais a arriscar seguir por percursos fora dos caminhos romanos para evitar assaltos esperados.


Conta-se que os mosteiros de antigamente eram como as unidades operárias de hoje. Neles não só se desenvolvia a arte da escrita, cópia e ensino, também se produzia vinho, cereais, pão e vinho, e gado. Era toda uma comunidade autosuficiente no seu interior e em muitos dos casos se desenvolveu para sustento e acolhimento de muitas famílias desamparadas.


Devo, no entanto, alertar o leitor que em tempos o estilo românico foi considerado um estilo nacional - penso que é a este estilo a que os menos entendidos se referem com "o português suave" - e amplamente intervencionado pelo DGEMN nas décadas de 30 e 40. Chegando a acrescentar características que eram e não eram do Românico, fosse nacional ou internacional para que fosse enaltecido e apreciado pelos visitantes, digamos que seria uma espécie de românico do século XXI. Assim peço ao leitor que use da sua capacidade de crítica e conhecimento para distinguir as intervenções do original.


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