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  • Foto do escritorSusana Cruz

Algumas das coisas que mais irritam o seu Guia.





Um dia destes lancei um desafio pelo facebook. Visto que uma grande parte dos meus amigos são Guias Intérpretes e Motoristas de Turismo, tal como eu, achei que seria engraçado se fizessemos um pequeno levantamento sobre algumas das coisas que mais nos irritam ditas pelos clientes (turistas). A resposta foi muito positiva, despertando em alguns colegas a lembrança de peripécias que nos assolaram em tempos pré-COVID.


Aticei um pouco o grupo confessando que uma das coisas que me irrita mais é ouvir a seguinte frase: “Pode fazer seguido, nós estamos habituados a não ter almoço.” Até é compreensível que os turistas cheguem a abdicar do tempo de almoço só para usufruir de mais passeio pela cidade ou informação do Guia Intérprete. Mas esta guia precisa de papar, se não papar desfalece a meio do dia e fica rabugenta como nenhum cliente quer. Por isso nada feito, quem quer almoçar vai, quem não quer… bom, faz outra coisa que eu não quero saber. E prontos, é assim que eu fico quando me falta comida.

Adiante.


Uma das primeiras resposta foi da nossa colega Patrícia Vitorino. Disse-me, ainda sobre o tema de almoço, que sente que o convite dos clientes é como “um pau de dois bicos. Prefiro ter o meu tempo livre, mesmo que sejam uns queridos.” Pois é, há clientes que realmente são uns queridos e convidam a Guia ou o Motorista para almoçar com eles. De facto até sabe bem, de vez em quando ter uma refeição gourmet, mas ao mesmo tempo, estar 9 horas consecutivas focada no(s) cliente(s) sem um intervalo é realmente pesado. O leitor vai dizer “ah e tal, e quando se senta para tomar café com o grupo? E Almoçar? Não tem a sua pausa?” Pois, caro leitor, até para tomar café ou almoçar, estamos a trabalhar. Quem traduz ao cliente o que é um Bispo ou explica a história de um Pastel de Nata? A quem é que o cliente recorre para a tradução do menu ou conselho sobre o vinho que melhor acompanha o cabrito no forno? Pois é, o guia. Então efetivamente continuamos a trabalhar.


Melánie Nascimento é Guia Intérprete lida, na sua maioria, com franceses. E lembrou uma questão proferida pelos seus clientes e bem pertinente. “Porque é que os portugueses são todos pedreiros?... e a célebre femme de ménage?” Fique o leitor a saber que há milhões de Portugueses espalhados pelo mundo. Em alguns países trabalham na construção civil, daí serem conhecidos como pedreiros, enquanto que as senhoras são conhecidas pelas profissões de porteiras – veja o filme a gaiola dourada ou cage dorée – ou empregadas de limpeza – sim, femme de ménage significa empregada de limpeza. Já em outras partes do mundo os portugueses são conhecidos por padeiros, por exemplo no Brasil, acrescentado pelos turistas que o pão português é o melhor do mundo – isso deixa-me com água na boca e ego em bicos de pés na torre dos Clérigos. Os estrangeiros que nos visitam têm uma ideia do português tão somente pelo que conhecem. Conhecendo portugueses próximos a si que sejam padeiros ou pedreiros é assim que vão criar a imagem do geral daqueles que por cá habitam. E é por isso que por vezes eu oiço: “para portuguesinha até bem parecida.” Talvez devesse deixar crescer o bigode para ficar mais parecida com o que eles imaginam da portuguesinha…


À colega Ana Medinas comentam “dez milhões de vezes por temporada” que “Este tipo de calçada deve ser muito escorregadia quando chove, não é?” ah, pois é. Amigos, vamos entender que na vida não há dificuldades, há desafios. E Portugal é um país de corajosos que se aventuram nestas calçadas lindas e nada práticas até em dias de temporal. Somos os Campeões! - vou deixar este tema para outras tempestades.


Depois vêm com o maior orgulho de quem já aprendeu português autodidata e sai um rico “gracias”. Nós guias, levamos mãos, virtualmente, à cabeça e respiramos fundo pensando, devo corrigir o homem ou fazê-lo feliz? A Patrícia completa o raciocínio relembrando “o clássico ora pois e o imitar um falante de português de Portugal”. Nisto dou o braço a torcer, durante anos eu pensei que os brasileiros estivessem a delirar ou que se influenciassem em algum português antigo, já que nunca havia ouvido a expressão “Ora Pois”, ou “Pois, pois”. Entretanto, já durante a pandemia, tive a felicidade de fazer um tour com 2 clientes Lisboetas que foram repetindo ao longo do dia as ditas expressões. Ora pois... aqui devo pedir desculpa a todos os brasileiros pelos meus pensamentos sempre que tentavam imitar o português com o dito cujo.

Maria Manuel Marques e Yorick Viche juntaram – se à conversa com um tema que não lembra a nenhum português. “Porque é que não vejo cães na rua?” perguntaram à Maria uma vez. “Vocês em Portugal comem cães?” acrescenta Yorick lembrando uma intervenção de um cliente. Referindo-se a tanto vadios como domésticos, os clientes ficam espantados por não ver cães na rua, alguns deles deduzindo que a cultura gastronómica portuguesa poderá incluir cães e gatos na sua dieta. É claro que é algo que nos arrepia mesmo pensar que animais como cães e gatos possam fazer parte da nossa alimentação. Por vezes nem há respostas a algumas perguntas… - E peço, por Deus, senhores Guias e Motoristas de Turismo, que nunca mencionem tripas à moda do Porto, nem dobradinha nem sequer feijoada, aos pobres turistas que mencionaram tais coisas quanto aos cães e gatos, mesmo que mereçam!


Ainda sobre animais na rua, Débora Soares, uma colega que fez o exame aquando a mim, ouviu: “Em Portugal não há vacas nem ovelhas?” Ao qual terá respondido: “as vacas e as ovelhas não costumam a andar a pastar em pleno centro histórico do Porto.” Os nossos olhos esbugalham ainda mais, se já é confuso perceber que os estrangeiros esperavam ver cães e gatos nas ruas, mas ver ovelhas e vacas nas cidades? Não vou comentar… Resposta politicamente correta, Débora, parabéns.

Ainda não é tudo sobre animais, agora espantem-se. Houve quem perguntasse à colega Elisabete Moura Cruz, se “em Portugal havia moscas”. Em desabafo, a colega acrescenta “perdi a minha fé na raça humana naquele preciso momento.” Mas, turista vem ver moscas? Sente falta das moscas? Elisabete, estamos juntas miúda. Amém.


Mais tarde, novo tema. “Disseram-me que havia pretos e ainda não vi nenhum.” Ouviu Patrícia Vitorino, imagino-a a respirar fundo enquanto pensa numa resposta adequada. “Expliquei que sim… Provavelmente estariam a trabalhar.” Quanto à Mélanie Silva Nascimento, já lhe perguntaram “porque não temos muçulmanos?” Imigração é um tema World Wide, pelo mundo a fora. Mais tarde ou mais cedo será abordado no nosso trabalho pelos clientes mais atrevidos. E a nós, em certos dias, custa-nos perceber que se cliente não vê vai pensar que não existe. Cabe-nos a nós explicar com toda a paciência como funciona a engrenagem interior tapada pela sociedade. Sim, temos muçulmanos, temos judeus, temos orientais, temos negros, temos brasileiros, etc… Só não têm que estar expostos como se tratassem de peças de museu, eles têm vida prórpia.

A Maria José Almeida dá-nos dois exemplos de perguntas que foi ouvindo, “Vocês têm sistema de saneamento em Lisboa?” às vezes nem é preciso responder, e ela o confirma “o meu olhar foi tão esclarecedor que o senhor pediu desculpa.” Às vezes não é por mal que a guia fica aborrecida, as questões podem ser ditas com inocência, mas chegam ao outro lado parecendo ofensas. E como vamos reagir a clientes como a da mesma colega que estando nos Jerónimos queria visitar o “Guggenheim Bilbao.” Ora, é difícil segurar a ironia e aplicar a resposta politicamente correcta. Às vezes deixámo-nos levar como a Maria José: “respondi: se quiser, mas tenho que a deixar no aeroporto antes…” – smile and wave (sorri e acena).


Perguntaram à colega Sofia Pinheiro “Como é que cultivam os campos… não vejo ninguém a trabalhar…”, à Patrícia Vitorino “que a Alfama se parecia com favelas”, e à Mélanie Nascimento “ Afinal em Portugal não há só barracas…” ou até mesmo à Elisabete Moura Cruz “E cemitérios, vocês não têm cemitérios cá?”. Coisas que não nos passam pela cabeça, mas passam pelos ouvidos. Pérolas que nos deixam em alerta e tornam cada tour diferente no seu conteúdo.


Depois de tudo o que já se ouviu aqui e em trabalho, o prémio vai para:

Mélanie, ça veut vire quoi Caralho?


É claro que existe muito mais intervenções ou cenas inesquecíveis que os colegas têm dificuldade em verbalizar. Com o tempo aprendemos a gostar e a tratar o cliente como nosso turista e nossa criança. Sempre o recebemos de braços abertos independentemente das imperfeições que possa ter.


Deixo aqui o meu agradecimento a todos os que partilharam a sua experiência e entraram nesta singela conversa que tanto fez rir colegas e turistas e abriu sorrisos tapados com máscara.


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