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  • Foto do escritorSusana Cruz

Carnaval Genuíno XX - Dia do Adeus

Capítulo 20

MIGUEL


Nasce o novo dia. A luz do sol começa a entrar pela janela adentro. São oito horas da manhã e a Matilde ainda dorme no sofá, foi difícil conseguir que adormecesse. Queixava-se das dores de cabeça, e soluçava pela perda da avó.

Telefono ao Sr. Justino pedindo dispensa pelo falecimento da avó da Matilde, ele mostra-se compreensível pelo facto e dá uma folga de três dias à Matilde. Faço um pequeno-almoço com pão torrado com manteiga e chá de camomila para os dois, e acordo a Matilde. Tinha acabado de receber uma mensagem avisando que o funeral era às onze da manhã. Assim sendo, teríamos que nos apressar.

A Matilde acorda mais calma, dormir até às nove fez-lhe bem.

- Já falei com o teu patrão, vais ficar em casa três dias e o funeral é às onze da manhã, temos que sair daqui por volta das dez horas. - Ela ainda esfrega os olhos, ensonada mas consciente do que aconteceu.

- Fizeste-me o pequeno-almoço? Obrigada. - A forma como ela fala é muito pausada. - Disseste que estiveste com a Mariana? Porque é que ela não veio aqui? - Não podia dizer que ela própria estava de rastos.

- Dar uma notícia assim é muito duro, por isso eu ofereci-me para te falar. O Manuel está com ela e levou-a de volta a casa. - A expressão da cara dela continua com fraca reação.

- O Manuel? E podemos confiar? - E pronto, não posso esconder.

- Ele queria muito pedir-te desculpa, como não sabíamos se estarias ou não preparada, ele não chegou a vir aqui. Não pensemos agora nisso. Eu fiz uma torrada e chá, ou preferias café? - Levanta os ombros mas depois levanta o olhar e agradece o gesto. Com o lenço papel limpo-lhe a lágrima da cara.

- Estás uma boneca… Quando estiveres pronta podemos ir para Bragança. Vou só avisar os meus pais que vou estar o dia fora. - Ela acena com a cabeça e vai comendo a torrada muito lentamente.

- Estou, pai. Era para te avisar que hoje vou a Bragança para um… um funeral. A avó da Matilde faleceu ontem e eu vou acompanhar a Matilde e a mãe dela naquilo que precisarem. Sim, tenho estado com a Matilde. Sim, não a larguei desde que soube da notícia. Pronto, mais descansado. Até logo.

A Matilde acaba de tomar o chá e pega na mala, pronta para sairmos. O meu carro ainda está à porta. Fecho a porta de casa da Matilde e seguimos calmamente para Bragança.

O dia foi longo, entre os presentes estavam os meus pais e os pais do Zé Carlos que mostravam o seu respeito na fila de trás. No cemitério aguardava quase toda a vila de Podence, incluindo o Sr. Celestino que havia deixado a tasca nas mãos das filhas durante a manhã. Todos mostraram grande respeito pela mãe da Matilde, a senhora dona Isaura.

Foi um momento emocionante para todos.

A dona Isaura era de verdade uma senhora forte, insistia em levantar a moral a todos à sua volta.

Ainda insistiu que fosse ela a dizer o discurso que havia escrito, e assim o fez. Sem largar uma lágrima, mas com um sorriso de orgulho na cara. Os olhos vermelhos não se disfarçam.

Então o discurso revelou-se ainda mais inspirador e dizia o seguinte: "Maria da Conceição, és uma mulher fantástica que nos inspirou durante todos estes anos. Amiga dos seus amigos, carinhosa com todos os que te conheceram. Sempre estiveste ao nosso lado, sempre pronta a dar-nos a mão, fosse o momento que fosse. O mundo precisa de mais gente como tu. Disseste-me muitas vezes "Não sejamos egoístas, Deus também me que ao seu lado, vocês têm que me deixar ir." E lá foste. Agora, que sejas a estrela polar da minha noite, direciona-me ao norte da minha vida. Que sejas o sol do meu dia, ilumina-me com a alegria contagiante que sempre tiveste. Que sejas a minha pastora, protege-me dos perigos dos predadores. E prepara o nosso lugar junto ao teu lado pois eu quero voltar a abraçar-te um dia. Até breve."

Cada frase me dava novo arrepio. Nunca ouvira nada com tamanho significado. Era sobretudo de aceitação para a partida de um ente querido.

Durante todo o dia estive ao lado da Matilde e da sua mãe, nunca as perdi de vista. Por vezes a Matilde deitava umas lágrimas, mas a mãe dava-lhe força para aceitar o destino. Sinceramente, nem sei o que fazer ou dizer, a mãe dela, pelo contrário sabia exatamente como lidar com a situação, parecia que já tinha experiência. Vim a saber mais tarde que dava apoio a idosos nas suas próprias casas e que conhecera várias pessoas de doenças terminais. Ainda assim só alguém realmente forte e bondosa por dentro teria capacidade para lidar durante tantos anos com pessoas com data de partida marcada.

Regressamos ao apartamento onde vivia temporariamente a dona Isaura e recolhemos os seus bens. Não demorou muito, certamente já tudo estava preparado com antecedência, a senhora já vivera mais tempo do que os doutores previam.

Ficamos os três no carro aguardando pelo Manuel que precisava de boleia para voltar para casa. O Manuel tarda em descer, levou a Mariana até os pais dela. Também estivera ao lado dela o dia completo. Quando chega, sentamo-nos todos no carro e seguimos, primeiro para a vila de Santa Combinha para deixar o Manuel, e depois ir para Podence.

Eu vou a conduzir e a Matilde ao meu lado. Atrás vai a dona Isaura e o Manuel. Estava tudo em silêncio quando o Manuel decide falar.

- Matilde, eu queria pedir-te desculpa. Fui um insensível e não fui o homem que tu merecias. – Ninguém ousa interromper o momento divino do Manuel. – Nunca fui capaz de te segurar a mão quando precisaste. Nunca te dei um presente nos teus aniversários. Nem nunca te convidei para dançar nas poucas festas que fomos. Nem sequer sei que tipos de música ouves. Eu tinha ciúmes quando alguém se aproximava de ti, mas não fazia nada para tu queres estar comigo. Agora eu vejo isso. – Parece estar a sentir o que diz. - Tive que levar na cabeça do Miguel, do meu pai e até da Mafalda, a tua prima. Mas agora compreendo. Mereces alguém que faça por ti tudo aquilo que eu não fiz. Não quero perder a tua amizade, mas compreendo que nunca mais me queiras falar. E se algum dia alguém te partir o coração, avisa-me. Eu protejo-te. Prometo, fico em dívida contigo, para sempre.

Este discurso deixa-me sem palavras. A mim e aos outros dentro do carro.

- Obrigada. – Diz a Matilde. Eu nem sei o que dizer dele. Parece estar a mudar. Difícil de acreditar, mas os milagres também existem.

Deixamos o Manuel em Santa Combinha e combinamos nova sessão de boxe no final da semana, ao final do dia. A Matilde e a mãe não saem do carro, mas o Manuel acena pelo lado de fora para ambas e elas acenam de volta.

Tanto a Matilde como a mãe insistem que eu fosse descansar para casa, e ficam sozinhas. - Nunca fui ao lago, querem vir comigo amanhã? – Não podem recusar a oferta. Despeço-me da Matilde com um abraço longo e beijo-a na testa. Mesmo tristinha era uma bonequinha. Tenho plena admiração pelas duas, mãe e filha.



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