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  • Foto do escritorSusana Cruz

Carnaval Genuíno XVIII - Problemas descem ao Paraíso

Capítulo 18

MIGUEL



A menina Castro deu-me para a mão um papel e disse que era o seu contato direto.

- Já tem a quem ligar. – Diz-me ela baixinho. Trocamos cumprimentos e ela vai-se embora.

Eu estou a enganar quem? A Matilde viu-nos cumprimentos e tudo. A secretária do Sr. Oliveira beijou-me na cara e deu-me o número dela. Vou ter que aguentar a Matilde. Ela caminha devagar na minha direção. Nem fala mais. Perdeu o pio. Ora como é que vou iniciar conversa de novo sem apanhar com o mau feitio dela?

- Eu levo o teu tabuleiro. – Levanto-me e pego no tabuleiro da Matilde, mas ela tira-mo das mãos. Hum, assim tão chateada? Já estou a ver a minha vidinha a andar para trás.

A Matilde sai de “gás à tábua”. Nem espera por mim. Tenho que correr para a apanhar e coloca-me à sua frente. Fica parada, ainda bem. Não queria ter que a apanhar no meio da quinta. Vamos ao que interessa, se é a Anabela o problema, eu acabo com ele. Pego no papel que tinha no bolso e amostro-o à Matilde.

- É isto que te preocupa? – Sob o olhar atento dela, amarroto o papel e deito à papeleira mesmo ao nosso lado. Eu só tenho olhos para ti, Matilde. Tens é que perceber no ponto de vista dos outros uma pessoa sem alianças é uma pessoa livre.

- Enquanto o que temos não for oficial, ambos somos vistos como solteiros e livres para encontros com qualquer pessoa. – Hum, estou a assumir em voz alta que temos alguma coisa. Nem me estou a reconhecer, agora. O melhor é ir agora para o carro. Viro-me e vou em direção do estacionamento. A Matilde vem atrás de mim com interrogamentos, como uma criança que quer saber onde escondo os doces.

- Aos olhos deles somos livres. – Não olhes para ela, Miguel, não cedas aqui.

- Não, quer dizer, sim, isso, disseste “aos olhos deles”? E aos teus, o que somos? – Aos meus olhos, aos meus olhos… és a única mulher que faz o meu coração saltar corpo fora. Que me faz esquecer as amarguras e focar na beleza do teu sorriso. Que me faz sonhar acordado. Respira, Miguel.

- Deixas-me levar-te a jantar esta noite e eu respondo-te a tudo que queiras perguntar. – É o melhor que consigo dizer assim olhos nos olhos. Não foi muito mau. Oh, Matilde, só tu me deixas assim sem palavras.

O caminho de volta foi em silêncio semelhante ao da manhã, mas desta vez ela tem um largo sorriso. Não me canso de olhar para ela, fica linda com esse sorriso. Olhos na estrada, Miguel! Tens tempo de estar com ela e admirá-la. Parece que conseguiste um jantar a sós com a Matilde logo à noite. Agora tens que tomar atenção à estrada.

Chegamos à cooperativa e entramos. Vou atrás da Matilde e não consigo de deixar de olhar para ela, aquela silhueta. Ela fica nos escritórios e eu sigo para a sala de provas onde o Sr. Justino já me aguardava. Continuamos as provas e as conversas de uns dias antes.

A tarde passou muito rápida, há ainda tanta coisa a tratar, desde criar empresa, escolher o espaço de apresentação, procurar parcerias e apoios na região. Chegadas as cinco horas da tarde despeço-me do Sr. Justino e vou até ao escritório para chamar a Matilde, tinha-lhe prometido boleia de volta à vila. Curiosamente saem as colegas, ela fica.

- É só mais um email, por favor. Aguardas? - Mas claro que aguardo.

Visto que ficamos sozinhos aproveito para apreciar as vistas. A Matilde é pequenina, “a mulher portuguesa é como a sardinha, pequenina” diz o meu pai sempre que gozo com a altura da minha mãe. "Mas cautela que as melhores são as mais ariscas". Oh, se é verdade, a Matilde durante o dia parecia uma gata assanhada, não deixava que se aproximassem de mim. Por um lado parece um exagero, mas por outro noto que alguém cuida de mim, se preocupa comigo e quer muito ficar ao meu lado. Olho para as mãos delicadas. Escreve no teclado, e risca na folha ao lado as tarefas do dia. De vez em quando desvia o olhar para mim, mas esconde-o timidamente. Fica engraçada assim tímida. Aproximo-me dela e espreito no ecrã, mas já o desligou e levanta-se da cadeira.

- Pronto, desculpa o atraso, tinha o trabalho da manhã por fazer e a segunda-feira é para resolver tudo o que se acumulou no fim-de-semana. - Levanta-se, pega na mala e no casaco, arranja o cabelo e remexe na mala procurando alguma coisa. Estas malas de senhora… tenho até medo do que poderá haver lá dentro.

- Pronta. - Diz ela com um ar de felicidade. Ela vai à frente e eu logo atrás.

Saímos para fora da cooperativa e eu desço os primeiros dois degraus à espera da Matilde que feche a porta atrás dela. Quando se vira, para e fica a olhar para mim. A cara dela está ao nível da minha. Desce o primeiro degrau e eu não me mexo, fico a admirar. Ela olha para os lados e empurra-me com delicadeza. Ela trava-me de lhe roubar outro beijo. Pois, aqui no meio da cidade, não é boa ideia.

Seguimos até à vila sempre a conversar, ela fala sobre Portugal, até ela sabe mais sobre os clubes portugueses do que eu. Na realidade, nunca fui muito fan de futebol, mas ouvindo-a, acho que vou ficar fan. Paro o carro à porta da casa da Matilde. Quando chego à porta do carro do lado dela já não vou a tempo de a abrir, mas ajudo na mesma a sair. A Dona Zulmira está à janela e cumprimenta-nos. E agora já temos público. Como tal despedimo-nos de longe. Por minha vontade, era agora, beijava-a, mas não devo. Tenho que deixar que seja ela a avançar agora, por muito que me custe. Além do mais não quero que seja na rua em frente de coscuvilheiros.

- Uma hora e meia chega? Posso passar por cá às sete e trinta? - Ela acena e entra em casa.

Viro costas e caminho rua acima até minha casa, a pé. Não tem necessidade de eu andar por aí com manobrar para cima e para baixo. Daqui a uma horita estarei aqui outra vez. Não consigo tirar este sorriso da cara. O meu banho vai ser de água fria, tenho mesmo que acordar. Quando estou com a Matilde fico hipnotizado, agora que não estou com ela não paro de a rever nas memórias como se sonhasse. Já nem me lembrava o que era estar apaixonado. Vou aproveitar o jantar para a pedir em namoro, não há razão para não avançar. Talvez haja, as más-línguas. Pode ser às escondidas nas primeiras semanas, eu não me importo, interessa é que ela perceba que não olho para mais ninguém, estou aqui só para ela.

Vou a sair de casa e recebo um telefonema do Carlos.

- Hei, companheiro, que tal vão as coisas com a Inês? - Só podiam ter corrido bem, o Zé Carlos ontem não me disse nada só podia estar ocupado a namoriscar.

- Depois falamos sobre isso, amigo. - Opah, chamou-me amigo, alguma coisa se passa.

- Podes sair para fora, queríamos falar contigo. - Sair? Eu estou na rua, e nós? O que se passará?

- Carlos, tens que ser mais específico, eu estou na rua. Queres que eu saia para fora de onde? Da cidade? E quem são “nós”, tu e a Inês? Não me digas que não usaram proteção! Tem juízo. - Por favor que não tenha sido sexo desprotegido.

Entretanto chego à rua da Matilde e vejo o Zé Carlos ao lado do meu carro e do outro lado cabisbaixo, vejo o Manuel. Oh, oh. Levanto a mão para que ele me veja.

- Olha para o cimo da rua. - E o Carlos olha e acena também. O Zé Carlos desliga o telefone e vem ter comigo. Porque é que eles estão ali?

Quando chega ao meu lado, o Carlos é o primeiro a falar.

- Eh pah, diz lá ao Manuel que a Matilde ainda não está preparada para ouvir o pedido de desculpa. Ele insiste que quer falar com ela, diz que gostava de ter uma segunda oportunidade com ela. Ele tem que entender…

Paraliso, terei ouvido bem? "Segunda oportunidade"? Oh não, agora não, ela não lhe pode dar novas oportunidades. Nem pensar, perdeste o comboio, colega. Ela agora é minha! Como é que vou falar sem incendiar tudo? É claro que não vai ter mais nenhuma oportunidade, ele bateu-lhe. Abro a boca para falar mas não sai nada, nem o corpo me responde. Fico ali especado a olhar para eles e não consigo que o corpo reaja.

- Miguel! - Ouve-se uma voz feminina, ainda parecia a Matilde, mas não, é a Mariana, a prima da Matilde. Acordo do transe. O que estará ela a fazer aqui, será que tinha combinado alguma coisa com a Matilde?

- Ah?! Vieste jantar com a Matilde? - O que raio se passa aqui? Estava a correr tudo bem e agora de repente o Manuel quer voltar para a Matilde e a Matilde afinal tem jantar marcado com a Mariana. Mas que conspiração universal é esta?

- Não, Miguel. Infelizmente venho dar uma má notícia à Matilde. - E começa a chorar e apoia-se no Manuel. Já sei, a avó faleceu. Eu volto a ficar imóvel. Felizmente para mim, nunca passei por um falecimento de alguém próximo, não sei o que significa perder uma pessoa que amamos. Ainda assim afeta-me, alguém teria que dar a notícia à Matilde, e seria muito doloroso que fosse a Mariana, esta rapariga tão alegre e divertida que agora está de rastos.

- Foi a avó? Faleceu? - A Mariana confirma no meio dos choros. - E a mãe da Matilde, como está e com quem está? - A Mariana limpa as lágrimas com uns lenços de papel que tinha nos bolsos, nota-se que já vem a chorar há algum tempo.

- Ela está a aguentar-se melhor do que eu, está com a minha irmã na capela. - Isso, Manuel, não largues a moça ela está destroçada, precisa de um abraço firme.

- Já sabes quando será o funeral? - Ela abana com a cabeça, não sabe. - Quando souberes diz-me alguma coisa. Eu vou dar a notícia à Matilde, com licença. - A Mariana larga o Manuel e agarra-me ao braço com bastante força.

- Não, eu é que tenho que dar a notícia. - Tiro a mão dela do meu braço e falo com ela. - Não tens que passar por esse castigo, nós estamos aqui para te ajudar. A propósito, como chegaste até aqui? Por favor, não me digas que vieste a conduzir o carro sozinha de Bragança até cá! - Ela esconde a cara encostando-se ao Manuel, e confirma, vem sozinha, não merece, porra!

- Eu levo-a até Bragança. – O Manuel oferece-se para ajudar a rapariga? Acho bem.

- Vamos fazer o seguinte. - Tomo as rédeas da situação, ela não podia voltar assim para Bragança, elas não iam ficar sozinhas nestes dias!

- Manuel, a melhor forma de pedir desculpa à Matilde é provar que mudaste, vais com a Mariana, ajudando-a em tudo o que ela precisar em Bragança. Elas precisam de apoio amigo. Se precisares de alguma coisa telefona-me. Carlos, avisa o teu pai da situação, ele parecia preocupado e acho que vai querer estar ao lado da Matilde e da mãe durante o funeral. Avisa também o pessoal da aldeia, o Celestino e outros que aches importantes. Eu vou dar a notícia à Matilde e qualquer coisa que precisem, eu sou o vosso contacto. Vou ver se a Matilde quer ir hoje ou amanhã para Bragança e digo-vos alguma coisa. Fui claro? Dúvidas? - Não há dúvidas e cada um de nós vai ao seu caminho.


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