Carnaval Genuíno XIX - A Notícia
Capítulo 19
MIGUEL
Fico a vê-los a seguir cada um o seu caminho. O Manuel levou de volta a Mariana no carro dela até Bragança, o Carlos levou o carro do Manuel para casa e fico eu sozinho outra vez. Mas desta vez a vontade de bater à porta e encarar a Matilde é pouca, dar uma notícia destas é muito doloroso. Sinto as mãos a tremer e encosto-me à casa da Matilde. Olho para o céu, já está estrelado e uma dessas estrelas é a avó da Matilde. Não há uma forma fácil de dar a notícia, mas terá que ser dada.
Desencosto-me da parede e bato à porta. Só depois reparo que tem uma campainha. Que lorpa! Toco à campainha e de dentro de casa oiço a voz da Matilde a responder, parece-me que diz algo como "a porta está aberta" ou parecido. Rodo a maçaneta e realmente estava aberta este tempo todo. Entro e vejo-a a caminhar de um lado para o outro da casa.
- Disseste às sete e trinta, vieste cedo. - Ela está linda, vestido verde liso de manga comprida, cabelo liso escuro.
- Estás uma boneca. - Saiu-me, nem tomo cuidado com as palavras que uso. Ela para e sorri.
Fez-me perder a coragem de lhe falar da avó.
- Obrigada, gosto muito deste vestido. Mas tu pareces cabisbaixo, está tudo bem? - Topou-me, é agora, como hei de eu dizer? Demoro algum tempo e ela está a ficar muito preocupada. Ora, cá vai.
- Estive há pouco minutos com a Mariana. - Faço uma pausa para respirar fundo antes de avançar co a notícia. - A tua avó faleceu. - Por momentos a Matilde não reagiu, e eu não forcei. Os olhos entristecem, os ombros descaem e mostra cada vez mais dificuldade em respirar.
- A minha mãe, onde está? - Pobrezinha, a primeira coisa que pensa é na mãe.
- Está bem acompanhada com a irmã da Mariana. – Deixo-me ficar em silêncio, mas aproximo-me da Matilde, parece que está a perder a força e as suas pernas começam a tremer. Agarro-a, primeiro leve e ela agarra-se imediatamente a mim. Ainda não chora, está em estado de choque.
- Posso ir ver a minha mãe? - Claro que pode, basta para isso mudar de roupa e comer alguma coisa e saímos.
- Vou mudar de roupa, mas não tenho fome. - Lá está a sardinha arisca, não comes mas pego em duas peças de fruta.
- Quer comas, quer não comas, a fruta vem connosco.
- Estou pronta. - Aparece com calça e camisola escuras, e olhos bem vermelhos, e abraço-a outra vez. É então que ela começa a chorar. Seguro na cabeça e deixo que se encoste ao meu peito. É um dos momentos mais difíceis de uma vida. Uma caminhada, longa e dura como é o cancro, termina levando consigo uma vida, a de alguém que a Matilde amava. Quem nunca passou por isso não sabe o que dizer, quem por lá passou não sabe que palavras usar.
Acabamos por ficar deitados no sofá, ela no meu colo a soluçar e eu calado esperando que o silêncio a ajude adormecer. Deixo-a chorar, deixo-a deitar tudo para fora. Todos nós precisamos de deitar para fora o que nos prende cá dentro.
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