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  • Foto do escritorSusana Cruz

Carnaval Genuíno XVI - A convite do Sr Oliveira

Capítulo 16

MATILDE


No dia seguinte, às oito da manhã o Miguel está à porta de minha casa, encostado ao seu carro, um peugeot 308 cinzento de matrícula francesa. Olha para o smartphone, quando nota a minha presença guarda o aparelho no bolso e desencosta-se do carro e gentilmente abre a porta para eu entrar. Pela cara dele parece chateado, e tem toda a razão. Eu fiz um espetáculo sem necessidade. Antes de me sentar peço desculpa.

- Estás desculpada, podes entrar? - Ouvir isso com a frieza que ele o diz, dá-me um grande sufoco. Eu sei que não era assim tão fácil desculpar-me pela reação que tive, mas ainda assim dói ver a frieza que ele está a usar comigo.

Ele senta-se no lugar dele, liga a chave do carro e avança estrada fora. O silêncio é constrangedor, pelo menos para mim.

- Como é que te posso compensar pelo que te disse ontem? - Pergunto a medo tentando quebrar o gelo e compreender como poderíamos voltar à relação que tínhamos.

- Não tens que me compensar de nada, o que aconteceu, aconteceu, não foi culpa tua. - Não posso acreditar, por causa dos meus ciúmes matei a minha oportunidade com o Miguel.

- Foi sim senhor. Eu não devia ter reagido assim…

- Falei com o Sr. Justino e com o Sr. Oliveira na sexta-feira passada. Pediram-me que falasse diretamente contigo. - Finalmente fala, ainda assim continua sério e sem me olhar na cara.

- Eu queria visitar uma vinha do Sr. Oliveira, ao pedir companhia sugeriram que fosses tu. O Sr. Justino vai estar em reuniões a semana inteira. - Como é que ele consegue falar comigo sem nunca olhar para mim?

- A minha pergunta é simples. - Continua - Queres que te deixe na Cooperativa ou preferes vir comigo à vinha? - Mas que pergunta, é claro que vou contigo, sempre tenho mais hipóteses de alguma coisa se for contigo do que se ficar para trás.

- Lembra-te que para ir à vinha, lagares e adegas, é preciso calçado confortável e roupa confortável. - Avisa.

- Sim, claro, trago sapatilhas e esta roupa está boa para ir para a vinha. - Ele abana a cabeça mas não fala mais.

- Vamos só de manhã ou o dia completo?

- Só pela manhã. O Sr. Oliveira disse que podíamos almoçar com os funcionários dele na cantina. Ao início da tarde voltamos à cooperativa. Ainda tenho que provar alguns vinhos que faltou da última vez.

Admito, mereço este tratamento. Se ele não fala nada do que se passou ontem, falo eu. Eu sei que vai doer, mas quero esclarecer tudo com ele. Não quero que fique assim para sempre comigo.

- Miguel, as palavras que me disseste ontem não saíram da minha cabeça a noite inteira. É verdade que te sentes bem, perto de mim? - Dou uma pausa, embora tenha a certeza que ele não me vai responder ainda. Então retomo o discurso - Há qualquer coisa em ti que me faz sentir segura e protegida. És ternurento, és paciente, és afável e muito inteligente, para não falar no aspeto físico. – Lá estou eu a falar outra vez demais. - O que eu quero dizer é que deste uma volta à minha vida como ninguém deu, fizeste-me repensar sobre como é ser feliz, acarinhada e desejada. A cena que fiz é inaceitável, ciúmes cegos. Não tem razão de ser, nós não estamos juntos nem nada. É que, no momento em que te vi com as irmãs Barreto, senti uma inveja e achei que acabava de perder a única oportunidade contigo. Compreendo que, fui eu que acabei com essa oportunidade contigo. - Quanto mais falo mais vou sentindo o coração a acelerar, pensava que não olhar diretamente para ele ajudava a expressar o que sentia, até ajudou, fui capaz de dizer as palavras todas sem gaguejar, mas a pressão que sinto no peito dói muito.

- Desculpa-me. - Desta vez viro a cara para ele para ele perceber que estou a ser cem por cento sincera com ele.

- Se houver alguma forma, por mais absurda que seja, de me dares uma segunda oportunidade, eu aceito. Faço o que for preciso para tentar outra vez contigo. - Percebo que falo cada vez mais devagar, mas não faço nada para o mudar.

- Mas, se achares que não deves dar essa oportunidade, eu não te forço, compreendo. - Mais um momento de silêncio. - Só preciso que me digas sim ou não. - E ele, nem sim, nem não. Será que o que peço é assim tão absurdo? Odeio o castigo do silêncio. Fala comigo!

- Chegamos! - Finalmente quebrou o silêncio, só não era o que eu estava à espera.

Ao chegar à quinta do Sr. Oliveira, vem à porta uma menina do escritório, loira, elegante e mais alta do que eu.

- Sr. Matos, bem-vindo à nossa quinta. Eu sou Anabela Castro. Enquanto esperamos pelo Sr. Oliveira quer tomar um café? - Pergunta ela ao Miguel.

- Aceito o café, e tu Matilde? - Pergunta-me ele, e finalmente olhou-me nos olhos.

- Sim, por favor.

Ela encaminha-nos para a sala sem tirar os olhos do Miguel. Eu sei que ele é o chefe, o enólogo, o convidado, mas aquilo já é ridículo.

- A menina está a ser muito simpática. - Aparentemente eu disse-o em voz alta, o Miguel olhou-me de lado quando terminei a frase.

A nossa atenção virou para a decoração da sala. É realmente pitoresca, pequena com uma lareira, cheia de fotos, algumas a preto e branco, outras a cores. Os sofás são em tons esverdeados, a parede forrada a papel com motivos da natureza em tons frios de azul e verde. A meio da sala está a passagem, o corredor, como se dividisse a sala em duas. Por incrível que pareça, a sala não tem pó, nem cheira a mofo, apesar de parecer tudo tão antigo, a idade da sala só se vê na decoração usada e no chiar das tábuas em que pisamos.

A menina vem e oferece o dito café entregando-o em mãos ao Miguel.

- Aqui tem Sr. Miguel. - O Miguel pega na chávena e, à frente dela, entrega-me a mim.

- O segundo ainda está a ser feito, já venho trazer o da menina. - Diz ela para o Miguel, como se o estivesse a corrigir.

- Eu espero. - Diz ele naturalmente.

Não tomo o café de imediato, quero esperar por ele.

- Podes tomar, senão fica frio. - Ele está preocupado comigo, lanço um sorriso. Ele está a olhar para mim, a atitude gelada está a derreter, e eu também, de emoção.

- Eu não gosto de café a escaldar. A minha mãe diz que eu não sou típica portuguesa. - Ele olha para mim sério franzindo os olhos e esperando uma explicação.

- Eu não gosto de sardinhas, não gosto de café a escaldar e nunca fui a Lisboa. - Está a rir-se à gargalhada, sucesso! Escondeu-se para rir, agora sim, posso respirar de alívio. E tomo o café.

Entretanto chega o segundo café e a menina entrega ao Miguel que agradece. As mãos deles tocam-se e ela não se apressa a largar. Começo a ferver, aqui é demasiada hospitalidade. Estão tão próximos que ela aproveita para sussurrar. Pouso a chávena na mesa e aproximo-me deles.

- Tem notícias do Sr. Oliveira? - Tento acabar com o ambiente entre os dois.

- Não, mas deve estar mesmo a chegar.

- Então para esperar podemos esperar sozinhos, com certeza que deve ter muito para fazer no escritório. Não a queremos incomodar. - A fulana olhou-me de lado e foi lá, onde tinha que ir, e ficamos os dois na sala. Livres daquela metediça.

- Matilde, tens intenção de fazer isso com todas as mulheres que se aproximam de mim? - Até sufoco, lá estou eu outra vez com os ciúmes doentios. - Será que tenho que avisar as minhas primas para terem cuidado?

Eu nunca fiz isto, o que é que se passa comigo? Não me lembro de alguma vez ter feito cenas de ciúmes e em dois dias fiz duas cenas de ciúmes. Ele ainda olha para mim à espera de uma resposta.

- Ah… Há diferentes tipos de aproximação. – Gaguejo. - E acho que esta fulaninha estava a abusar um pouco, como profissional nunca me passaria pela cabeça fazer o que ela fez e encostar-me tanto a um cliente como ela. - Tento dizer com um ar convincente. O Miguel olha para mim e fica com ar de quem está a pensar em algo.

- OK. Dou-te essa, ela parecia demasiado próxima. - Ufa, em que é que estava a pensar? Se me vou chatear assim com todas e nem sequer temos uma relação, como será no futuro? Isto está a tornar-se uma obsessão, só pode. É bom que te controles, Matilde.


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