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  • Foto do escritorSusana Cruz

Carnaval Genuíno XV - Discussão

Capítulo 15

MATILDE



O Miguel acompanhado das irmãs Barreto! A meio da noite, agarradinhos! O que é que, raios, subiam a rua aos S num sábado à noite! São malucos?! Bem na vila onde vivem, vão a passear na rua agarrados, mas que lata! Não preguei olho a noite inteira, só a pensar nos depravados. Vadio! Vadias! E duas ao mesmo tempo! Mas eles não têm vergonha na cara? Ainda cheguei a pensar que ele era diferente, pelo que vejo é igual aos outros. Eu estava cega, ele era carinhoso, cavalheiro, mas tudo não passou só de uma forma de engate, canalha! Como pude ser tão burra? Idiota! É esta a frágil linha que divide o amor do ódio, facilmente transponível. Num momento beija-me, no seguinte anda agarrado a outra. São… todos… iguais!!

Ir à missa foi um desafio. O padre Jerónimo, do seu lado pregava o amor e o perdão e eu só queria pregar um tabefe ao Miguel, corrijo, dois tabefes, um por cada irmã Barreto. Ele estava a deixar-me louca, nunca tinha ficado assim por um homem, alguma vez tinha que ser a primeira.

Termina a missa e os pais do Miguel aproximam-se.

- Olá, Matilde, tudo bem?- abro a boca para mentir, mas não consigo, não saem palavras da boca, não lhes consigo dizer que está tudo bem. Não lhes consigo mentir.

- Mais ou menos. - A Sra. Matos fica logo preocupada.

- É a tua avó? Ela está bem? - Ai, não, coitados pensam que se passou alguma coisa com a avó.

- Não, não, é só uma desilusão, toda a gente passa por isso! - Ups, já falei demais.

- O Miguel fez-te alguma coisa que não devia? - A cara da Sra. Matos ficou de repente chateada. Não consegui falar mais, estava quase a chorar.

- Eu tenho que ir, desculpem-me - E fujo sem sequer me despedir deles. Caminho ligeira até casa para ninguém me ver a chorar, sei que é mau deixar desta forma os pais do Miguel, mas se ficasse lá, ia chorar e não queria que eles me vissem assim.

Acabo de me separar de um monstro e meto-me logo com outro? Tenho que sair daqui, vou para o lago, o lago sempre me acalmou. Pego numa toalha de praia, alguma comida e desço a vila tentando desviar o olhar de toda a gente, não quero que me vejam os olhos vermelhos de choro. O dia até está lindo, céu azul forte, é pena que a minha vida esteja nublada.

Depois de passar algumas horas a dormir junto da lagoa sinto-me mais calma, tinha que subir a vila. Às cinco horas da tarde já anoitece e não quero chegar a casa de noite.

Quando chego à minha rua, vejo o Miguel sentado na soleira da minha porta com uma rosa na mão, engulo a seco, agora tenho mesmo que o enfrentar. Cá vai.

- Que fazes aqui? - Cruzo os braços à espera de uma justificação. Ele levanta-se e sacode a terra das calças por ter estado sentado na soleira.

- Venho conversar contigo. Queria que me explicasses o que fiz de errado para te deixar assim chateada comigo. - Outra vez aquele tom carinho e ternurento, controla-te miúda, não te deixes influenciar pelo tom de voz que ele usa! Sê fria!

Parece-me que não ia sair dali sem uma explicação, respiro fundo e aperto mais os braços para disfarçar o nervosismo.

- E trago-te esta rosa, já está um pouco murcha, mas foi por ter ficado a tarde inteira comigo, sem água à tua espera. - Oh, esteve a tarde inteira na soleira da minha porta, que querido! Não, não me vou deixar influenciar pela flor nem pela atenção, nem por ter estado à minha porta como cachorrinho abandonado. Ai, estou confusa. Mas não posso ceder.

- Não é com uma flor que se esquece. - Digo com tom de raiva. - E o problema não és tu, sou eu. Sou sonhadora e sonho com um homem carinhoso, ternurento e meigo só, e saliento, só para mim. Até ontem pensava que o tinha encontrado. Aproximas-te e beijas-me, e dás-me esperanças … - Oh, não. Não devia ter dito aquilo, mas pronto, tá dito.

- Mas foi bom eu ter-te visto ontem com as duas fedelhas do Sr. Barreto. Pobre Sr. Celestino que nem sabe as filhas que tem. E tu levas as duas para tua casa, ao mesmo tempo, ficam às gargalhadas e gritos que se ouvem na rua. Que vergonha! - Paro para respirar, ele nem reage contra o que lhe digo, e eu continuo.

- Tu és como os outros, quanto mais mulheres, melhor. São como troféus. Daqui vais para outra aldeia e segues assim enganando as mulheres de todo o lado. Só de pensar que quase caí na tua rede. És… és desprezível. - Ele continuava impávido e sereno. Como é possível que ele não sinta vergonha do que faz? Tratar as mulheres como descartáveis e fazer de conta que nada se passa.

- Agora, se me dás licença tenho que entrar em minha casa. E ir para a minha vidinha. - Ele desvia-se dando espaço de passagem mas não se afasta da entrada. Avanço desconfiada, com medo que ele me faça mal, mas faço de conta que vou com confiança. Vou à mochila procurar as chaves para abrir a porta.

- Acho que estou a perceber onde queres chegar. Mas pensa um pouco, eu vivo nestes dias a paredes meias com os meus pais. Eles ouvem tudo e vêm tudo dentro de casa. Achas que iria fazer alguma coisa do que dizes? - Foi como levar com um golpe no estômago, é claro que os pais estavam em casa àquela hora. Como fui tão burra?!

- Mas sim, foi um abuso da minha parte na bebida. Ainda me lembro de tudo ou quase tudo que se passou ontem, ainda assim, confesso que tenho vergonha da bebedeira que apanhei com os meus amigos. Fui para casa guiado pelas irmãs Barreto obrigados pelo pai delas e elas foram a gozar comigo o caminho inteiro, mesmo dentro de casa se riam por me desequilibrar enquanto caminhava. Acho que eram essas gargalhadas que ouviste. - Deixo cair o molho de caves, as minhas mãos tremem a tentar apanhar a chave.

- Tenho pena que penses isso tudo de mim, por causa de um momento descontextualizado que viste. - Fico sem fala, a história que ele contava batia certo. Eu precipitei-me naquele momento. Pensei tão mal das irmãs Barreto, agora quem sente vergonha sou eu.

- A propósito, eu tive uma única namorada na minha vida, a mesma que me traiu com o meu melhor amigo. Acabei com ela faz mais de 6 meses e desde daí nunca mais estive com uma mulher. Nunca estive com mais nenhuma mulher... - Faz uma pausa para inspirar, recolocando a voz no lugar e continua - … até tu apareceres. Aquele momento que te vi na varanda fez-me esquecer que sofri de amores hás uns meses. Não sei o que me deu mas...- sinto-o cada vez mais perto de mim, mesmo falando mais baixinho e pausadamente, ouço-o melhor. - Estivesses solteira ou noiva só queria estar próximo de ti. Pela primeira vez senti que o corpo fugiu ao controlo da mente, e beijei-te. Não me sinto arrependido, espero que não se sintas também. - Ele está a declarar-se. - Não luto, evito conflitos e discussões, mas quando vi que o Manuel te tinha batido, fiquei fora de mim, só te queria proteger. - Olho para ele, está de olhos fechados

- Desculpa se te magoei na noite de ontem, não foi minha intenção. Eu só queria que me desculpasses. Não é justo pedir-te para esqueceres isso. Espero que me dês nova oportunidade amanhã.

Eu própria fecho os olhos para saborear cada palavra. Queria mesmo era beijá-lo e dizer-lhe que o desculpo por tudo e que esqueçamos o que aconteceu. Quando abro os olhos ele olha para mim e entrega-me a rosa para a mão.

- Trouxe a flor para ti. Amanhã vou visitar a propriedade do Sr. Oliveira e gostava que viesses comigo. Venho aqui ter às oito horas, gostava que viesses. - Seguro na rosa e ele vira costas e vai-se embora. Eu reconheço a rosa, é do jardim das traseiras da casa dele, mas não tem espinhos, ele teve o cuidado de tirar os espinhos para mim.

Agora sinto-me culpada por isto tudo, foi um mal entendido da minha parte.

– Desculpa. - Tento chamá-lo, mas ele não volta atrás.

Estraguei tudo! Que burra! Agora tudo faz sentido, e declarou-se. Nunca nenhum homem me havia declarado antes. As palavras do Miguel ecoaram durante a noite na minha cabeça, o pouco que dormi foi a sonhar com ele. Deixo-o descontrolado, ai. Ele quer estar perto de mim. E voltei para o outro lado da linha, o lado da paixão.


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