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  • Foto do escritorSusana Cruz

Carnaval Genuíno XI - Encontro com o Manel

Capítulo 11

MIGUEL



Na quarta-feira ao final do jantar o Carlos vem ter a minha casa e pede para falar comigo. Enquanto estavam os meus pais na cozinha a acabar de arrumar a loiça fico na sala com o Carlos.

- Deixa-me adivinhar, queres ajuda para falar com o pai da Inês. - Tento adivinhar pela expressão melancólica que ele me mostrava.

- Não. Sim. Não, não era isso que queria falar contigo. E sim, vou precisar da tua ajuda para isso. Mas não é isso que eu te quero falar agora. Adiante, o que eu queria falar contigo era o seguinte, o meu irmão levou um raspanete do meu pai e como castigo o meu pai obrigou-o a pedir-te desculpa. Aceitas encontrar-te com ele para conversarem? – Fica parado a olhar para mim. À espera de uma resposta.

- Tás parvo? Eu? Encontrar-me com o teu irmão? Eu quero é distância dele. Porque é que não pede desculpa à Matilde? Foi a ela que ele desrespeitou. - Digo enquanto o Carlos abana a cabeça.

- O meu pai diz que ainda é cedo para se aproximar da Matilde. Ele tem que ganhar mais maturidade e que, tu sendo mais forte, sabes defender-te. Ele não te vai tentar magoar. - O Carlos deixou-me chateado, ele acha que é assim tão fácil enfrentar o irmão? Quero vê-lo a enfrentar o pai da Inês. Na verdade o meu problema não é o Manuel, mas eu mesmo. Eu não sei como vou reagir quando o apanhar à minha frente.

- A propósito de enfrentar a fera, e tu, já falaste com o Celestino? Então, já te separaste da outra e não tens coragem de avançar com esta?

- Não mudes o assunto, estamos a falar do meu irmão – Tenta replicar.

- A questão é a mesma, tu queres que eu enfrente o teu irmão e não tens tomates para enfrentar o pai da Inês. – Ah, pois é.

Nisto aparece a minha mãe do nada e ralha connosco.

- Meninos, a vossa discussão já se ouve na aldeia vizinha. - E nós, como crianças bem comportadas que queremos ser, prometemos que baixávamos o volume da discussão, mas ainda assim a minha mãe não fica satisfeita. - Não é isso que eu quero. Tu… - Aponta para o Carlos. - Vais falar com o Sr. Celestino e tu… - E aponta para mim. - Vais falar com o Manuel.

- Mas mãe, tu sempre ensinaste que não me devo meter em problemas, aquele tipo é a base dos problemas na vila. - Ela respirou fundo e passou a falar mansinho comigo.

- Meu querido, eu ficava orgulhosa de ti se fosses tu a dar uma segunda oportunidade a esse rapaz. Ele já não tem apoio de mais ninguém da vila. Tu já tiveste problemas e soubeste como sair, conseguirás ajudá-lo a sair neste momento complicado para ele. – Deixa-me sem palavras. Paro por uns momentos a olhar para ela e cedo ao pedido do Carlos.

- Com uma condição, Carlos, tu vais falar com o Celestino, nem que seja comigo ao lado.

O Carlos estava mais satisfeito do que devia.

- Então, Miguel, falas com o meu irmão amanhã e depois eu vou falar com o Sr. Celestino. - Diz ele mas a minha mãe interrompe o discurso do Carlos.

- Amanhã, quero os dois a cumprir a promessa. - O Carlos até gagueja, quanto a mim estou satisfeito que o Carlos vá falar com o pai da Inês, mas ao mesmo tempo eu teria que falar com o Manuel. Nada bom, nada bom mesmo.

O encontro explosivo com o Manuel ficou combinado para o final da tarde de quinta-feira. Como sempre está atrasado. Fico à espera sentado no parque e lá aparece o Manuel de trombas como sempre. Levanto-me estendo-lhe a mão e esta fica pendurada sem resposta da parte dele, mau prenúncio.

- Pela tua cara estás aqui contrariado. - Digo eu.

-Tu também não estás assim tão feliz. - Ele responde.

- Eu fui obrigado pela minha mãe, e tu, foste pelo teu pai, certo? Tenho uma proposta, já que estamos os dois contrariados, mas temos que fazer de conta que estamos a conversar, que tal se fossemos beber uma cerveja naquele café? Não temos que falar nada.

- Alinho. - Diz o Manuel levantando os ombros.

Sabendo que há temas que nós os homens não conseguimos fugir, fui buscar o que mais fanáticos tem no mundo masculino, o futebol.

- Qual é o teu clube? - Não houve resposta, perfeitamente normal, eu não esperava que ele desbobinasse assim rápido. - Estou há tantos anos fora que nem sei quem vai em primeiro. Ele arregala os olhos.

- O Benfica, claro. - Estou a ir no passo certo, agora é tentar mais perguntas a ver se ele se abre.

- Qual é o 2o lugar? – Tento. Continuo a dizer que não percebo de futebol português.

- O Porto, mas pelo que vejo ainda volta a subir. Estou a ver que a equipa deste ano não se aguenta no primeiro lugar. - Continuei a puxar por ele, pouco a pouco ía conversando mais naturalmente e ele ia-se sentindo mais à vontade. Já é hora de avançar com o que interessa.

- Porque é que não vais à bola comigo? - Ele olha de repente com ar de raiva.

- Sou expulso da vila na altura em que apareces, roubas-me a noiva e tens a lata de me perguntar porque não vou à bola contigo? - Tecnicamente eu não lhe roubei a noiva, ainda.

- Não fui eu quem te expulsou da vila e no jantar de domingo ainda nem conhecia a Matilde e já não podias comigo. Tens que ter outra razão. - Os olhos dele estão cada vez mais vermelhos.

- Quando olho para ti fico com raiva. - Que novidade, disso já sei eu.

- E porquê? - Fico à espera que ele responda.

- Sei lá, agora tenho que saber porque tudo que me acontece? – E o presunçoso ainda pergunta!

- Sim, é suposto. - Depois desta discussão fazemos uns minutos de silêncio. A perna dele abana nervosamente. Está no limite dele, deixa lá respirar um pouco para se acalmar.

Passado uns minutos vendo que ele já estava mais calmo, avanço para a segunda parte do meu plano.

- Estava a pensar ir praticar um pouco de boxe numa associação de desportos de combate aqui próximo em Macedo, queres vir? - Torce o nariz dizendo que não tem equipamento.

- Ao telefone eles disseram que emprestavam o equipamento. – O Manuel aceita, pagamos a conta e saímos em direção à associação.

- Então, tu praticas boxe? - desta vez foi ele a meter conversa, é uma evolução.

- Non, eu pratico karaté, mas é bom variar de vez em quando. - Ele cala-se outra vez.

Quando chegamos à associação falo com o rececionista e ele encaminha-nos para os balneários. O Manuel continuou em silêncio todo o caminho até ao momento de dar socos no saco de boxe. Eu começo a dar uns socos mas paro quando o vejo a dar duas voltas ao saco, parecia que estava a desafiar o saco para um combate.

- Estás a pedir autorização ao saco para lhe bateres, eheh. - Ainda em silêncio olha para mim quase envergonhado, vou para a beira dele e seguro no saco.

- Imagina que o saco sou eu, e dá os pêros que achas que eu mereço. - Ele começa a bater fraquinho,

- Então, é assim que queres que eu vá ao chão, bate com força. - E começa a fazer um pouco mais de força.

- Ainda não chega, a minha ex batia com mais força. - À terceira foi de vez, tenho que usar o que aprendi no karaté para não tombar com a força que ele faz.

Tomou-lhe o gosto e estivemos nisso durante uns 5 minutos.

- Queres parar uns minutos? Ficas a segurar no meu saco enquanto eu bato. - A arfar forte aceita e trocamos de posição, começo a bater fraco e vou intensificando. Não demasiado porque o Manuel começava a fraquejar.

- Quando quiseres paramos e vamos embora.

O Manuel ainda não tinha recuperado o fôlego e diz - o quê, já estás cansado, Baixote? - Que raio, ele insiste com os insultos! Paro e digo-lhe em tom sério que não quero que me chame baixote.

- F***-se, já fui expulso da vila e ficaste-me com a noiva. Eu tenho que ficar com alguma satisfação, não me podes tirar isso também, caralho!

Inspiro fundo, aproximo-me dele ficando no nosso tão conhecido cara a cara. A tensão entre nós volta.

- Ok. – Quebro a tenção e viro costas. - Fica com essa, é justo. – Fico-me a rir e ele confuso a olhar para mim.

- O que é que se passou aqui? Vais-te assim embora? Isso é cobardia.

Ajo naturalmente, continuo a acreditar que não temos que andar à porrada para resolver os nossos problemas.

- Para quê, alguns de nós ganha juízo com porrada?

- Mas na terça deste-me um soco na cara depois de eu te ter insultado, porque é que decidiste agora mudar de opinião? Querias impressionar o pessoal da vila? - Visivelmente confuso ele ainda insiste.

- Vamos vestir-nos, conversamos melhor no parque. - Quando chegamos ao parque sentamo-nos no banco de jardim e eu falo.

- Eu bati-te, mas não foi porque me insultaste, foi porque magoaste a tua noiva, ela apareceu à minha beira a sangrar das mãos. – Faço um gesto com as mãos como se as feridas estivessem nas minhas mãos.

- Eu não lhe fiz feridas, só a empurrei. - O Manuel fica na defensiva.

- Então como é que ela terminou com feridas? - Ele olha para mim mas tentando buscar na sua memória o que havia acontecido.

- Ela caiu em cima da jarra da entrada. - Diz ele a gaguejar.

- Ela então caiu sobre a jarra partida, cortou-se e tu fugiste sem a ajudar. Não deixa de ser cobardia. - Ele leva as mãos à cabeça. Se estivesse no lugar dele ia sentir que era muito para assimilar num só dia, sugiro então que nos encontremos na semana seguinte para continuação da conversa.

- Tens carro ou queres que te leve a casa? - Ele afirma que tem carro e então combinamos sexta-feira da semana seguinte para outra sessão de boxe na associação.


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